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Muroh

2018

Guilherme Bueno

Paço Imperial, Rio de Janeiro

Os trabalhos de Marcos Abreu aqui expostos não elegeram a gravura por acaso: lançar mão da repetição e da serialidade como modos de persistir em torno de dilemas que um meio pode lhe colocar; assimilar elementos casuais e residuais do processo; prosseguir testes sobre como uma cor reage a diferentes situações conforme sua espessura ou camadas de impressões são sobrepostas, estabelecem uma singular situação na qual ao mesmo tempo em que cada trabalho se individualiza, eles mutuamente estabelecem uma decidida relação de todo, como se o conjunto também fosse uma obra em si. Limite é uma palavra adequada para indicar a partir de onde ele articula sua poética, a espreitar onde a linguagem deixa uma brecha, podendo daí senão se reinventar, ao menos recomeçar seu jogo. No seu trabalho, alternam-se momentos de levar para a gravura elementos visuais pictóricos e em outros dela ser “radicalmente gráfica”, isto é, explorando o quanto a cor “gráfica” possui qualidades plásticas e espaciais significativamente diferentes daquela da pintura. Numa série de impressões feitas com spray a partir dos vestígios de outros trabalhos, a imagem não deixa de evocar uma familiaridade com os rayographsde Man Ray, levando-nos, por outro lado, a lembrar que a foto também é uma relação de contato e de gravação. Nenhum desses casos é planejado de antemão; eles se agregam na proporção em que os trabalhos criam sequências.


Retomando a questão da série, é digno de menção uma certa visualidade urbana presente nos conjuntos. Dito de outro modo, o que a princípio pareceriam “cartazes abstratos”, fala também de uma experiência que não se restringe mais a experimentar um objeto individualizado, mas – como nas peças gráficas espalhadas por qualquer cidade – numa percepção que se estrutura na repetição (no seu caso, porém, numa repetição onde não há iguais).  A recorrência a elementos como letras, frases soltas – que inevitavelmente podem nos levar a casos históricos como o cubismo, Rodchenko ou Jasper Johns, aqui são uma espécie de provocação deste elemento comunicativo (a palavra, o texto) que mais do que se tornarem aqui uma forma abstrata, acabam igualmente por serem a um só tempo o único elemento menos figurado do que figurante (no sentido de sugerir a conformação de uma imagem) assim como aquele que nos lembra do abismo entre a representação visual e a textual. Por fim, ainda nesse quesito, ele nos aponta também para uma percepção no cotidiano na qual é quase impossível haver coisas nas quais texto e imagens se apresentem separados – daí novamente o seu interesse por aquela compacidade visual que é o cartaz.


Concluindo, Muroh é uma proveitosa ocasião para pensarmos ainda sobre quais os potenciais da gravura – a mais moderna das linguagens (nasceu na modernidade e pareceu ter chegado a um impasse nela) – se abrem. Marcos, vale dizer, não é um “gravador”, mas um artista que num determinado momento revisitou os meios da gravura para pensar na formulação daquilo que descrevemos acima como uma plasticidade gráfica. No entanto, desafiando também o limite da série (que pressupõe uma percepção instantânea), bem como o do antigo connoisseur (que se embrenhava demoradamente em busca de detalhes), este conjunto nos pergunta qual o tempode nosso olhar e quais os modos segundo os quais ele se projeta sobre esses trabalhos, uma vez que eles perfazem uma trama de diferentes processos emprestados de cada linguagem com as quais as séries dialogaram.



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